Cada um de nós é vários, é muitos, é uma prolixidade de si mesmos. Por isso aquele que despreza o ambiente não é o mesmo que deve se alegra e padece. Na vasta colônia do nosso ser há gente de muitas espécies, pensando e sentindo diferentemente. FERNANDO PESSOA, Livro do desassossego, anotações de 30/12/1932.
De mil experiências que fazemos, no máximo conseguimos traduzir uma em palavras, e mesmo assim de forma fortuita e sem o merecido cuidado. Entre todas as experiências mudas, permanecem ocultas aquelas que, imperceptivelmente, dão às nossas vidas a sua forma, o seu colorido e a sua melodia. Quando depois, tal qual arqueólogos da alma, nos voltamos para esses tesouros, decobrimos quão desconcertantes eles são. O objeto da observação se recusa a ficar imóvel, as palavras deslizam para fora da vivência e o que resta no papel no final não passa de um monte de contradições. Durante muito tempo acreditei que isso era um defeito, algo que deve ser vencido. Hoje penso que é diferente, e que o reconhecimento de tamanho deconcerto é a via régia para compreender estas experiências ao mesmo tempo conhecidas e enigmáticas. Mas desde que passei a ver as coisas assim, tenho a sensação de, pela primeira vez, estar atento e lúcido.
Se é verdade que apenas podemos viver uma pequena parte daquilo que há dentro de nós, o que acontece com o resto...
Pensamento de Marco Aurélio... "Força-te, força-te à vontade e violenta-te, alma minha; mais tarde, porém, já não terás tempo para te assumires e respeitares. Porque de uma vida apenas, uma única dispõe o homem. E se para ti esta quase se esgotou, nela não soubeste ter por ti respeito, tendo agido como se a tua felicidade fosse a dos outros... Aqueles, porém, que não atendem com ateñção os impulsos da própria alma são necessariamente infelizes."
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